O agronegócio e, em especial, o cooperativismo brasileiro, obtiveram um patamar de destaque inédito na recente Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em Belém. Essa avaliação é do enviado especial para o evento, o professor emérito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Roberto Rodrigues, que, em entrevista ao Sistema OCB/MS, detalhou as contribuições dos setores produtivos durante o encontro.
A COP-30, realizada entre 10 e 21 de novembro, em Belém do Pará, teve como objetivo discutir novas metas climáticas e revisar compromissos internacionais. Para Rodrigues, o encontro foi crucial para posicionar o agro e o cooperativismo de forma positiva: “Nas 29 COP’s anteriores, a agricultura foi ignorada, ficando em quinto, décimo lugar na pauta, nas agendas de negociação, ou seja, o setor não teve nenhuma importância nas edições anteriores. Mas, para esta, nós fizemos um trabalho muito grande”.
Levando na “mala” um documento que compilava avaliações e proposições de mais de 40 entidades representativas, Rodrigues avaliou o evento: “A Embrapa montou uma Agrizone em Belém do Pará, uma vitrine com demonstração de como funciona a agricultura brasileira. Então, nesta COP o setor produtivo foi o ponto mais importante. Muito se falou de agro, de tropicalismo, entre outros”.
O especialista complementou: “Em resumo, este documento traz muito sobre cooperativismo, associativismo, sustentabilidade, modelos de integração, como pecuária-floresta, plantio direto e tantas outras iniciativas desenvolvidas no Brasil que podem ser replicadas nesse cinturão tropical”.
Para o ex-ministro da Agricultura, que apresentou o papel estratégico dessas cadeias para a segurança alimentar e a construção da paz global, os resultados da COP-30 terão repercussões diretas também para Mato Grosso do Sul.
A proposta de Rodrigues apresenta um modelo brasileiro que pode ser replicado em todo o cinturão tropical do planeta, desde que haja acesso a financiamento e flexibilização do comércio global.
Essa replicação, conforme apontado pelo especialista, não apenas garante a segurança alimentar de uma população mundial crescente, mas também promove a agroenergia, gera emprego e renda em países pobres, combatendo a desigualdade social. "Se fizermos isso, o Brasil será o campeão mundial da paz", projeta Rodrigues, antevendo investimentos internacionais no cooperativismo e no agronegócio nacional.
Em suas palavras, Rodrigues observa: “O que vai acontecer como consequência, é difícil dizer ainda. Mas tem muita gente de fora do Brasil querendo saber como investir aqui. Eu acho que vai ter muito investimento em cooperativa, em agricultura e em cooperativismo em nosso país. Vai ter muito investimento de fora. Então, tem que estar preparados para isso, temos que organizar nossas empresas, nossas cooperativas e o agronegócio de maneira geral para receber os eventuais interesses que possam acontecer na direção do Brasil”.
Além do balanço da COP-30, o especialista, renomado nacionalmente, ressalta na entrevista ao Sistema OCB/MS que o cooperativismo ainda enfrenta o desafio do desconhecimento. "É preciso comunicar o conceito, não apenas o produto", enfatiza ao defender que a lógica do coletivo, que já move cooperativas pujantes em Mato Grosso do Sul, seja amplamente difundida.
O papel produtivo desse segmento é confirmado por Rodrigues, que ressalta ser ele o grande viabilizador de escala para os pequenos e médios produtores, permitindo-lhes competir globalmente e acessar tecnologias inovadoras como bioinsumos e inteligência artificial. “Essa inclusão social é a chave para um futuro mais pacífico”.
Por fim, Rodrigues ainda destaca que o Brasil oferece ao mundo um modelo testado e eficaz para conciliar produção, sustentabilidade e justiça social, pavimentando o caminho para um futuro de maior equilíbrio e paz. E fala do papel dos jovens no processo sucessório: “São muitos mecanismos novos e inovadores que as cooperativas têm que assumir cada vez mais e, por isso, é importante que ela traga os jovens para dentro de casa. O jovem é quem vai rejuvenescer a gestão rural e nas cooperativas. Isso é um processo muito importante para todos nós no mundo inteiro”.
Ao ser questionado sobre o que mudou na perspectiva do especialista nos últimos 20 anos, em suas análises históricas, Rodrigues aponta avanços: “O cooperativismo tem esse papel de inclusão, juntando no mesmo barco pequenos, médios e grandes, numa única direção, bem-estar coletivo. Então, aquela visão que eu tinha 21 anos atrás, 25 anos atrás, se consolidou, com uma característica, a parte negativa desapareceu atropelada pelo modernismo, e passou a ser um instrumento central para a inclusão social no planeta inteirinho e em todas as áreas econômicas”.
Roberto Rodrigues é professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas e Professor da UNESP/Jaboticabal. Possui o título de Doutor Honoris Causa pela UNESP. Presidiu entidades como SRB, ABAG, COSAG/FIESP, OCB e ACI. Atuou como Secretário da Agricultura de São Paulo e Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. É amplamente reconhecido por sua contribuição para o fortalecimento do cooperativismo agropecuário e de crédito, bem como pela formulação de políticas agrícolas no país.
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Veja a entrevista na íntegra:
1. Dr. Roberto, quando o senhor se apresenta, podemos entender sua trajetória profissional ancorada em três pilares: a academia, o agronegócio e o cooperativismo. Para iniciarmos, quais são os principais desafios que o cooperativismo brasileiro enfrenta hoje, e como podemos superá-los para fortalecer sua imagem e impacto?"
Eu acho que o principal desafio do cooperativismo ainda é o desconhecimento do que é o cooperativismo enquanto doutrina e da cooperativa enquanto instrumento dessa doutrina. De maneira geral, esses conceitos não estão claramente definidos nem distribuídos pelo mundo todo.
E como superar isso? Fortalecer a comunicação cada vez mais, e eu acho que há uma coisa que precisava acontecer: agregar o conceito da doutrina aos produtos da cooperativa. Eu vejo isso na Itália; há muitos anos, existia lá uma cooperativa que produzia produtos lácteos — tinha manteiga, tinha leite em pó. No rótulo desses produtos estava escrito: "Essa manteiga é produzida por uma cooperativa; portanto, é melhor que qualquer outra manteiga, porque não visa o lucro." Então, vendia o conceito do produto, sabe? Acho que isso é uma propaganda que funciona e é muito barata, porque cada produto da cooperativa justifica a razão de existir da cooperativa em prol do benefício coletivo.
Então, acho que tinha que investir na comunicação. Mas não na comunicação comercial pura e simples. É vender o conceito. E em um país em que a educação não é um tema central, isso fica ainda mais complicado, mas acho que precisava haver investimento em informação de conceito popular. Para que todo mundo entendesse o que é o cooperativismo, para que serve uma cooperativa, e há muitos temas que envolvem essa questão.
Primeira coisa: muita gente pensa que cooperativa é apenas uma empresa. Mas, na verdade, é uma empresa cuja única diferença em relação às demais é que ela não visa o lucro, mas sim prestar serviço. Então, tem que explicar isso com clareza, com exemplos, porque senão a pessoa não fica sabendo o que é cooperativa. Cooperativas de crédito, por exemplo, que estão crescendo muito no Brasil, muitos acham que são bancos, mas não são bancos. O associado é dono daquele negócio, o que é diferente. Então, esse sentimento de pertencimento do cooperado à cooperativa é que não é claro ainda em nível nacional e, mais do que isso, mundial.
Eu sempre digo uma coisa: a cooperativa é a extensão, no coletivo, do que você não pode fazer sozinho. Então, na agricultura, por exemplo, o produtor rural tem lá a propriedade dele; para tomar conta da propriedade dele, cada parafuso que entra ele contabiliza; se não, ele perde o controle. Ele sabe o que entra e o que sai, rigorosamente.
Então, o que é cooperativa? Cooperativa é a extensão no coletivo. Por exemplo, a cooperativa oferece a ele a oportunidade de escolher as pessoas certas para administrar o coletivo. Então, esse tema da gestão da cooperativa faz parte do conceito de pertencimento. A cooperativa é minha, e quero tomar conta. A pessoa que gerencia é o meu procurador, então tenho que escolher a pessoa certa. Então, essa é a visão de pertencimento.
2. Sua atuação como Enviado Especial da Agricultura à COP30, em Belém, foi fundamental para levar as demandas e propostas do agronegócio e do cooperativismo brasileiros ao palco global. Considerando o documento com mais de 40 propostas, poderia nos detalhar a lógica e a estratégia central por trás dessas iniciativas?
A primeira coisa que temos que saber é que a COP-30 não é a COP da Agricultura, é a COP do Clima, assim como todas as COPs. Só que, uma vez que ficou decidido que seria realizada no Brasil, seria uma oportunidade de mostrar a agricultura tropical brasileira para o mundo inteiro.
Então, o que eu fiz? Eu fui ao IPA, que é o Instituto Pensar Agro, que agrega 56 entidades da agricultura brasileira, e pedi que consultasse todas essas instituições, solicitando que me enviassem suas preocupações em relação ao futuro e como transformá-las em algo universal. Nós recebemos 41 documentos bastante amplos, com ideias e propostas. Então, com base em todos esses documentos, contratei uma equipe, liderada por uma cientista chamada Adriana Brondani, do Rio Grande do Sul, que pegou todos esses documentos e harmonizou tudo em uma linguagem única.
De fato, o documento tem dois grandes capítulos. O primeiro capítulo conta a história do agronegócio brasileiro nos últimos 50 anos. Lembrando que, há 50 anos, nosso país importava 30% do que nós consumíamos, e hoje exportamos para 200 países. Então, como é que essa história aconteceu? Primeiro, por um fato central: tecnologia, inovação tecnológica. Essa é a vertente central da história. E o resultado disso é a sustentabilidade. Então, estamos falando de duas vertentes: a causa é a tecnologia, e o resultado é a sustentabilidade e a competitividade na agricultura brasileira.
A segunda parte deste conjunto todo de propostas foi apresentada por 41 entidades e resumida em duas ideias centrais. A primeira ideia central é o financiamento. Para um país tropical que queira implementar, em sua realidade, o que o Brasil fez, deve considerar suas condições climáticas, relevo, topografia, clima, qualidade da terra; enfim, como o país funciona para aplicar um modelo e o que é fundamental, considerando tecnologia, empreendedorismo e políticas públicas. Este é o modelo copiável no mundo inteiro.
Mas para esse modelo ser copiável, são necessárias duas condições. Primeiro, é necessário o acesso a financiamento, porque não adianta ensinar um país africano pobre a plantar soja, arroz, milho, algodão, cana, café, sem acesso a financiamento. Essa produção vai gerar alimento para o mundo, vai defender a segurança alimentar planetária. A segunda coisa é flexibilizar as regras de comércio mundial através da OMC, porque, se continuar o protecionismo que há hoje, mesmo que um país como este, citado, comece a produzir, não terá como vender, como entrar no mercado, porque o protecionismo dos países desenvolvidos vai impedir isso. Então, na verdade, são essas duas grandes condições.
Com isso, ao adotar este modelo de desenvolvimento e como a tecnologia se desenvolveu, compreenderá todo o cenário. Em resumo, este documento traz muito sobre cooperativismo, associativismo, sustentabilidade, modelos de integração, como pecuária-floresta, plantio direto e tantas outras coisas que foram feitas no Brasil que podem ser replicadas nesse cinturão tropical.
Quando o embaixador Corrêa do Lago me convidou para ser o Enviado Especial da COP-30, eu não queria aceitar, porque eu acho que essas reuniões são muito grandes e, como a decisão é por unanimidade, sempre se dá pelo mínimo múltiplo comum, ou seja, pedaços da demanda; e como cada um tem sua demanda, às vezes se chega a um ponto que serve para todo mundo, e aí é muito pouco. Mas eu aceitei porque confio muito no Corrêa do Lago, que disse que implementaria essas decisões na COP. Que era um sonho dele!
A COP não adotou um programa de uso de biocombustíveis no mundo, como alternativas aos combustíveis fósseis, porque o mundo do petróleo não permitiu. Mas o embaixador não desanimou e afirmou que faríamos um grande projeto de proposta para que a agroenergia garanta sua posição relevante em todo o mundo. E neste documento estão todos os instrumentos para isso. O documento é muito didático, digamos assim, e explica como as coisas podem funcionar sempre com essa visão de tecnologia e sustentabilidade competitiva.
3. Com a COP30 já realizada, qual é a sua análise sobre os resultados alcançados e, principalmente, as mudanças na percepção global em relação ao agronegócio e ao cooperativismo brasileiros? E quais poderiam ser os próximos passos?
Nas 29 COPs anteriores, a agricultura foi ignorada. Ela ficou em quinto, décimo lugar na pauta, nas agendas de negociação, ou seja, a agricultura não teve nenhuma importância nas COPs anteriores. Mas, para esta [COP], nós fizemos um trabalho muito grande, seja com esse documento, seja nos mais de 15 eventos ao longo da COP, falando da agricultura. E a Embrapa montou uma Agrizone, em Belém do Pará, uma vitrine, com demonstração de como funciona a agricultura brasileira. Então, se nas COPs anteriores a agricultura era desconsiderada, nessa ela foi o ponto mais importante. Falou-se muito de agro, de agricultura, de tropicalismo.
A agricultura brasileira ganhou destaque relevante. O que vai acontecer como consequência, ainda é difícil dizer. Mas há muita gente de fora do Brasil ligando aqui, querendo vir para cá para saber como investir. Eu acho que haverá muito investimento em cooperativas, em agricultura e em cooperativismo no Brasil. Haverá muito investimento de fora. Então, temos que estar preparados para isso; temos que organizar nossas empresas, nossas cooperativas e o agronegócio de maneira geral para receber os eventuais interesses que possam acontecer na direção do Brasil.
Em resumo, número 1: de fato, é a primeira COP em que o agronegócio ganhou uma dimensão internacional relevante. Número 2: ficou claro que o que nós fizemos aqui pode ser aplicado no mundo tropical inteiro: na América Latina, na África e em parte da Ásia também. Então, ficou claro que isso pode ser aplicado, guardadas as diferenças de cada país em relação ao Brasil.
O agronegócio tropical brasileiro, aplicado no cinturão tropical do planeta, vai resolver quatro problemas importantes. O primeiro é a segurança alimentar, aumentará a necessidade de comida em todo o mundo. Então, essa demanda, que é explosiva e tende a crescer mais – afinal, serão mais de 10 bilhões de habitantes daqui a 20 ou 30 anos –, eu acho que o mundo tropical, orientado pelo Brasil, será o grande supridor de comida no mundo.
Segundo, será o segmento que vai mexer com agroenergia, como alternativa aos combustíveis fósseis e, portanto, muito mais sustentável e legítimo para o clima em todo o mundo.
Terceiro, vai gerar emprego, riqueza e renda nos países pobres: África, Ásia e América Latina Tropical. São países pobres que não têm renda, gerarão emprego, riqueza e, portanto, diminuirá a desigualdade social, que é um problema sério no mundo contemporâneo.
Então, tudo isso – segurança alimentar, energética e a desigualdade social – e o clima sendo tratados pela tecnologia que o Brasil desenvolveu aqui, e com sustentabilidade. Se nós fizermos isso, o Brasil será o campeão mundial da paz também. Eu confio muito que o Brasil ganhou nessa COP o carimbo de futuro campeão mundial da paz universal.
Pode parecer um sonho, e de fato é. Pode ser que seja um sonho, mas quem não sonha não realiza. Então, é preciso sonhar para realizar. E eu acho, Ana, que o mundo vive hoje um momento muito complicado de radicalização ideológica, religiosa, étnica; tudo é polarizado no mundo contemporâneo. Guerra por todo lado, desentendimento, tarifaço. É uma confusão que leva a geopolítica a uma situação pouco construtiva.
Então, se você criar uma imantação humana na direção de um projeto, de um plano, de um programa que una todo mundo, ele vai triunfar e nada importa mais do que a paz. Alguém é contra a paz? Não acredito que alguém seja contra a paz. Eu acho que, se nós nos propusermos a garantir a paz com comida, com energia, com emprego, renda e cuidando do clima, nós estamos fazendo o maior benefício que a humanidade pode ter em todos os sentidos. De modo que acredito que isso trouxe esse potencial.
4. O senhor disse uma frase de grande impacto na Forbes: "Não haverá paz se houver fome". Diante dos crescentes desafios de segurança alimentar e das oportunidades para o agro brasileiro de se destacar neste papel de oferta de alimentos, qual o papel do cooperativismo na garantia do acesso a alimentos e, consequentemente, na construção de um futuro mais pacífico.
Quando eu falo do agro como patrocinador da paz mundial, não posso excluir ninguém: nem os grandes, nem os pequenos, nem os médios produtores. Mas, num cenário de internacionalização, o que precisamos dar é escala ao produtor, porque o Comércio Internacional exige volume de produção.
Mas o pequeno produtor não tem escala, por definição. Ele é pequeno, não tem escala. Como ele se insere nesse cenário? Então, ele cria sua escala na cooperativa, que cada vez mais tem uma dimensão inovadora e não é apenas uma instituição. Por meio dela, ele terá acesso a melhores insumos e à melhor tecnologia. A cooperativa passa a ser um instrumento de transformação de todos, permitindo-lhes atingir escala.
Então, todo mundo se torna escalável via cooperativa, que é um instrumento central para esse processo de integração pela paz, trazendo para ele pequenos e médios produtores que sozinhos não teriam condições de fazer parte desse processo. Então, a cooperativa terá um papel cada vez mais relevante.
Além do que, há alguns temas novos que surgiram no Brasil e no mundo que precisam de tecnologia refinada, como bioinsumos, que, por exemplo, está crescendo muito no Brasil. A mecanização da agricultura. Hoje tudo é com drone, com GPS, e o pequeno não tem como acessar a inteligência artificial sozinho.
Então, a cooperativa pode gerar esse processo, dando maior oportunidade para os pequenos, aquilo que os grandes têm sozinhos. São muitos mecanismos novos e inovadores que as cooperativas têm que assumir cada vez mais e, por isso, é importante que ela traga os jovens para dentro de casa. O jovem é quem sabe, quem sabe mexer com inteligência artificial. É isso que vai rejuvenescer a gestão rural e também a gestão das cooperativas. Isso é um processo muito importante para todos nós em todo o mundo.
Então, eu vejo nas cooperativas um papel cada vez mais importante nessa organização da produção, gerando escala para pequenos, médios e grandes produtores em conjunto.
5. Antes de encerrar, em 2001 o senhor escreveu o livro "A Segunda Onda Cooperativa". Nele, há um questionamento que aponta para duas correntes relacionadas ao futuro do cooperativismo: uma que prevê a sua inviabilidade de sobrevivência, considerando temas como globalização, liberalismo comercial e até mesmo o conservadorismo dos líderes; por outro lado, há a afirmação de que o cooperativismo talvez seja o único movimento capaz de responder às grandes ameaças contra a democracia e a paz. Hoje, mais de 24 anos depois, o que mudou na sua perspectiva?
Nós superamos a parte negativa. Então, em 2001, estávamos no auge da globalização, dos mecanismos de defesa da empresa. Era o "cada um por si e Deus por todos", havia uma coisa muito individualista e, de modo que, era um período em que a exclusão social era muito grande. As cooperativas, que eram, até então, até os anos 90, compreendidas como o caminho do meio, a terceira via entre capitalismo e socialismo, passaram a ser objeto de destruição.
Com a queda do Muro de Berlim, o socialismo sofreu um desmaio planetário e o capitalismo virou um liberalismo, ficou muito mais radical. Mas isso passou. Isso passou porque ficou muito claro um tema que já tinha sido fundamental para a questão das cooperativas no século XIX, quando as coisas surgiram em Manchester, em Rochdale, e que cresceram pelo mundo inteiro, quando houve a Revolução Industrial, que trouxe a exclusão social, quando milhões de pessoas ficaram fora do mercado. A cooperativa incluiu todas essas pessoas e virou a terceira via entre o capitalismo e o socialismo.
Isso sofreu um impacto negativo com a globalização, mas, já na entrada do século XXI, isso foi esmaecendo e a exclusão passou a ser um problema sério – um problema de paz. Um exército de excluídos faz uma guerra. Então, o cooperativismo passou a ser um instrumento de inclusão social crescente.
O cooperativismo tem esse papel de inclusão, juntando no mesmo barco pequenos, médios e grandes produtores, em uma única direção: o bem-estar coletivo. Então, aquela visão que eu tinha 21 ou 25 anos atrás, se consolidou, com uma característica: a parte negativa desapareceu, atropelada pelo modernismo, e o cooperativismo passou a ser um instrumento central para a inclusão social no planeta inteiro e em todas as áreas econômicas.