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Entrevista: Alessandro Gustavo Arruda, doutor em cooperativismo

Entrevista: Alessandro Gustavo Arruda, doutor em cooperativismo

O professor doutor Alessandro Gustavo Arruda, concedeu uma entrevista a respeito da sua pesquisa, atualmente é professor da ESAN - Escola de Administração e Negócios da UFMS e do mestrado em Administração Pública. Ele desenvolveu sua tese de doutorado em cooperativismo, estudando sistemas de governança em redes de cooperativas de crédito no Brasil e no Canadá. Fez seu doutorado sanduíche na HEC Montréal, no observatório internacional Desjardins, que resultou no livro "Estruturas de Governança em Redes de Cooperativas de Crédito" de sua autoria.

Neste mês, promoveu o Simpósio de Pesquisa- Estudo nas Organizações Cooperativas, na UFMS- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul com o apoio do Sistema OCB/MS. A pesquisa sobre "Estruturas de Governança em Redes" buscou identificar instituições e aparatos de regulação que minimizam os custos de transação em uma rede de cooperativas de crédito. Na pesquisa, além de um extenso levantamento - comparativo - da evolução histórica das instituições que nasceram nas redes Sicredi (brasileira) e Desjardins (Canadense), há também uma análise dos estatutos e regimentos que regulam a governança em rede destes sistemas cooperativos.

O Sistema Sicredi e o sistema Desjardins são analisados, comparando sua evolução institucional-legal na tentativa de entender quais são as instituições e os aparatos de regulação que minimizam seus custos de transação.

O ramo crédito é o que mais cresce no cooperativismo, mas mesmo assim não passa de 3% do mercado financeiro, por isso ocorre?

Dr. Arruda: Os resultados da pesquisa sugerem que a estrutura de governança pode ser um entrave na medida em que ainda não promove uma maior minimização dos custos de transação das diferentes instituições que fazem parte da rede. Outro problema identificado é quanto a legislação vigente para as cooperativas de crédito: existe inconsistência entre a lei do cooperativismo (5.764) e a lei que versa sobre as cooperativas de crédito (lei 130).

Algumas instituições criadas na vigência destas leis já não são mais necessárias ao se analisar o sistema cooperativo canadense. A própria capitalização dos sistemas ocorre por vias diferentes a depender da legislação dos dois países.

Outro fator identificado na pesquisa se refere à evolução histórica-institucional dos dois países: enquanto no Canadá, o cooperativismo evolui ao longo de mais de 100 anos, em um modelo jurídico-institucional-democrático de sociedade; no Brasil, esta evolução jurídica-institucional foi, por várias vezes, objeto de revisões provocadas por rupturas políticas.

O ambiente financeiro competitivo também é um agravante no Brasil. Temos um Mercado Financeiro muito concentrado nas mãos de poucos competidores. Os bancos comerciais, alguns sociedades de economia mista, concentram grande parcela do mercado e, com este poder, determinam preços, margens de lucro e práticas de mercado. Pouco espaço de manobra estratégica sobra às cooperativas senão acompanhar as tendências e práticas do mercado. Isto confunde o usuário-cooperado fazendo-o acreditar tratar-se de uma instituição bancária, o que, na realidade, não é.

Por fim, há de se fazer o mea-culpa dos cooperativistas e entregar mais capacidade de decisão ao cooperado. Novos meios de se promover a participação na sociedade cooperativa e incrementar a cooperação precisam ser encontrados no sentido de consolidar o processo de "apropriação" da cooperativa por parte do cooperado. Ele realmente deve se sentir dono e parte integrante do processo decisório e do modelo de autogestão promovido pela cooperativa. As informações e as discussões sobre o andamento da cooperativa precisam ser objeto de assunto cotidiano em nossa sociedade, assim como é o futebol e a política.

Mesmo com histórias parecidas, o que difere o ramo crédito brasileiro do canadense?

Dr. Arruda: A história do ramo crédito no Brasil e no Canadá possui origem comum, ou seja, nasceram no começo do século passado e nas mãos de fundadores visionários como foram o Sr. Alphonse Desjardins e o Padre Theodor Amstad. A leitura do meu livro sobre governança nos mostra que o Brasil, talvez por conta da colonização europeia, andou mais rápido que o Canadá no processo inicial de formação de redes cooperativas e estruturas de governança de segundo grau no cooperativismo. Contudo, a legislação e o processo político-institucional de consolidação do estado democrático brasileiro não permitiu que estas estruturas avançassem. Em um dado momento o Canadá superou o Brasil no processo de evolução jurídico-institucional destas organizações.

Temos grandes problemas com os custos das transações. Muitos contratos são revistos pelo judiciário. A legislação brasileira necessita ser aprimorada, pois promove uma amplitude considerável de interpretações. Porém, tal cenário também apresenta oportunidades. O Brasil tem muito para evoluir e pode aprender com os erros de evolução das estruturas de governança de outros países. O processo de evolução e crescimento pode ser acelerado.

O que falta para o cooperativismo de crédito brasileiro ter o mesmo alcance de outros países?

Dr. Arruda: Crises institucionais e econômicas são benéficas ao cooperativismo quando este está consolidado. Quero dizer que, quando uma sociedade está padecendo por não se atentar às regras de convívio social, quando pouco espaço é dado à consciência coletiva, as pessoas de bem tendem a procurar instituições mais fortes aonde o convívio é bem regulado e as transações são marcadas também pela reputação de quem as garante. Instituições democráticas, autogeridas e construídas para o bem social tal como devem ser as cooperativas possuem, neste cenário, uma vantagem competitiva: seus líderes são escolhidos entre seus próprios usuários.

É diferente quando não podemos participar do processo decisório da organização. Em sociedades com grande incerteza politico-institucional, é uma temeridade entregar-se a organizações dirigidas por poucos proprietários ou com grandes problemas de organização e governança. Contudo, em cooperativas consolidadas a gestão é compartilhada por todos. Há um processo amplo de "disclosure" e, ao mesmo tempo, pouco espaço para o oportunismo na transação. O objetivo maior é o bem de todos.

Vivemos um novo momento na sociedade, no qual as pessoas estão mais participativas. Você acredita que isso pode favorecer ao cooperativismo, já que é uma sociedade de pessoas?

Dr. Arruda: Sim, plenamente. É do confronto produtivo de ideias que surgem as grandes soluções. A cooperativa, por ser sociedade de pessoas, necessita regular este confronto e ajustar para torná-lo produtivo. Há uma dificuldade em agir democraticamente, mas existem também grandes oportunidades. Através do confronto produtivo de ideias pode-se ampliar o processo de consolidação das cooperativas no Brasil e ganhar adesão, inclusive, dos mais céticos. A organização cooperativa traz isto em seu DNA.

Em sua opinião, quais são as perspectivas de futuro do cooperativismo de crédito no Brasil?

Dr. Arruda: O futuro do cooperativismo no Brasil depende de superarmos a nossa capacidade de discordar democraticamente. O brasileiro é sentimento. Discordar democraticamente significa saber ceder em prol de uma decisão coletiva, superar isto é trabalhar para que aquela decisão coletiva seja um sucesso mesmo que não tenha sua participação. Nossa sociedade precisa exercitar a democracia ainda mais e superar a agenda do individualismo. Por ser uma sociedade de pessoas, o futuro do cooperativismo depende do quanto aprendermos a cooperar.

Fonte: Rural Centro

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