Saber aproveitar a tecnologia, extraindo o melhor de uma equipe, é, talvez, um dos maiores desafios dos tempos atuais. Esse é o foco da reportagem O poder do Agora, disponível na revista Saber Cooperar, que acaba de ser divulgada pelo Sistema OCB e que dá ênfase ao Manual de Boas Práticas de Governança Cooperativista. Confira!
O poder do agora
O segredo para garantir o sucesso da gestão e governança é começar a planejar no presente
Atenção, gestores: a sustentabilidade do seu negócio depende de como você lida com as mudanças trazidas pela internet e pelas novas tecnologias. Marcas consagradas desapareceram, profissões estão sendo extintas, alguns serviços estão ficando obsoletos. Parece o apocalipse, mas não é.
No universo cooperativista temos plenas condições de fazer os ventos da mudança soprarem a nosso favor. Sabe por quê? “O caminho para o sucesso não é pavimentado por tecnologias, mas por pessoas”. A frase é de Sandro Magaldi, autor do livro Gestão do Amanhã e fundador de uma startup com foco em gestão e empreendedorismo. E até ele – que vive da inovação – reconhece: a tecnologia é apenas uma ferramenta de mudança. As boas ideias surgem de pessoas.
Durante o 14º Congresso Brasileiro do Cooperativismo (CBC), realizado em Brasília, Magaldi falou sobre como as empresas podem sobreviver (e crescer) nesse novo mundo conectado pela internet. Segundo ele, entender como a tecnologia muda o comportamento da sociedade é o primeiro passo para saber como lidar com as transformações causadas por ela.
“Não adianta pensar com a nossa cabeça. O primeiro passo é entender que o mundo mudou. O maior desejo dos jovens da minha geração, por exemplo, era ter um carro. Hoje, já não há mais tanto interesse, porque existem aplicativos que resolvem o problema da locomoção para eles. Tanto que houve uma redução de 21% na emissão de carteiras de habilitação no Brasil nos últimos três anos”, explica.
Justamente por isso, o desafio dos gestores das montadoras e dos taxistas não é quebrar a cabeça para desenvolver novas tecnologias para brigar com essa realidade. O desafio é entender o que as pessoas querem e oferecer soluções diferenciadas para elas. “A gente precisa aprender a desaprender e reaprender”, acrescenta André Bello, professor do Centro de Referência em Inteligência Empresarial (Crie), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Bello chama a atenção para o fato de que as novas tecnologias estão apenas começando a aparecer. “Ainda vamos ter um salto tecnológico gigantesco nos próximos anos. E precisamos saber usar a tecnologia a nosso favor, para sanar as nossas necessidades, ao invés de competir com ela. Acredito que o futuro será totalmente diferente de tudo que já foi vivido. E, nesse futuro, não serão os mais fortes que sobreviverão, e sim os mais rápidos.”
Outro ponto importante: existe uma falsa percepção de que a inovação só é feita por pessoas jovens. “Inovação tem a ver com a forma de pensar, e não com idade”, garante o fundador da plataforma Meu Sucesso. Para ele, a empresa que possuir profissionais com conhecimento de mercado e capacidade para inovar tem seu futuro garantido. “O importante é não ter medo de mudar. Algumas marcas estão quebrando por fazerem a mesma coisa muito bem-feita por muito tempo. E nos dias de hoje precisamos de mais: é necessário fazer diferente”, conclui Magaldi.
GOVERNANÇA COOPERATIVA
Se as pessoas são o principal ingrediente para o crescimento de um empreendimento, a implantação de um modelo de governança é similar a uma receita, capaz de fazer todos os profissionais da empresa atuarem de forma conjunta e sinérgica, gerando resultados melhores e mais sustentáveis. Na prática, a governança cooperativa é um modelo de gestão fundamentado nos valores e princípios cooperativistas, que estabelece as políticas internas e os órgãos necessários para garantir a transparência, a ética e a perenidade dos negócios. Desde 2016, as melhores práticas relacionadas ao tema foram sistematizadas no Manual de Boas Práticas de Governança Cooperativista, elaborado pelo Sistema OCB.
“Esse modelo de referência de governança tem auxiliado nossas cooperativas a melhorarem suas estruturas de gestão e, consequentemente, sua performance e competitividade”, afirma Leonardo Boesche, superintendente do Sescoop/PR. Ela esclarece que todas as políticas e estruturas sugeridas pelo manual levam em consideração os princípios e as particularidades do modelo de negócios cooperativista. Afinal, somos diferentes, com orgulho, já que nossas decisões são sempre pautadas por nosso compromisso com as pessoas e com o desenvolvimento sustentável das comunidades nas quais atuamos.
“Dentro desse nosso modelo referencial, gestão e governança são duas engrenagens que devem estar funcionando sempre; e devem estar bem alinhadas porque se uma travar, a outra pode até demorar, mas trava também”, explica Luciana Mattos, uma das especialistas que participaram da elaboração do documento.
O Manual de Boas Práticas de Governança Cooperativista foi elaborado por um grupo técnico constituído por profissionais do Sistema OCB, representando as cinco regiões do país. A publicação aborda conceitos e princípios importantes sobre governança aplicados às sociedades cooperativas e trata de outras questões fundamentais, como o papel de cada agente, além da função dos órgãos de administração e fiscalização. Também são ressaltados os trabalhos e a relevância dos comitês de assessoramento e das auditorias, bem como da ouvidoria, e do relacionamento constante e estreito com o cooperado.
SUCESSÃO
Garantir a perenidade de uma empresa é um dos compromissos de um bom líder. Por isso, o gestor consciente é aquele que pensa hoje no amanhã e prepara os talentos da equipe para assumirem postos estratégicos no futuro. E é justamente por ter compromisso com seus cooperados que a Sicredi Pioneira (RS) implantou um processo de sucessão justo, democrático e transparente para os membros de seu conselho.
“O processo de escolha dos novos conselheiros na Pioneira é feito de maneira democrática e se dá por meio de uma avaliação de desempenho, realizada pelos próprios membros dos conselhos, onde todos respondem sobre cada um dos colegas. Ao final, é colocado um ranking e os últimos colocados são convidados a ceder o espaço”, explica Tiago Schmidt, representante da cooperativa no CBC.
Um dos requisitos para ser escolhido para o cargo é a necessidade de ter formação superior. Schmidt conta que essa exigência foi votada em assembleia e que a maior parte dos sócios entendeu a necessidade de os conselheiros de administração possuírem graduação. “Com isso, conseguimos avançar em várias questões dentro do conselho”, declara.
Sobre o futuro da sucessão, Schmidt destaca: é preciso planejar agora. “A gente não pode morrer de um dia para o outro? Essa é uma possibilidade real de saída. A partir do momento em que eu faltar, existem pessoas preparadas para que continuem a cooperativa? Essa é a nossa grande responsabilidade, enquanto gestores de um negócio cooperativo”, afirma.
EXEMPLO
Algumas cooperativas já alcançaram a excelência nas áreas de governança e gestão. É o caso da Unimed Belo Horizonte, única cooperativa brasileira a conquistar o selo Pró-Ética, certificação concedida pelo Instituto Ethos e pela Controladoria-Geral da União (CGU) às companhias engajadas com a integridade e a confiança nas relações comerciais, implementando ações voltadas para a prevenção, detecção e remediação de atos de corrupção e fraude.
“Ter pessoas corretas e processos bem mapeados e organizados são os pilares mais seguros para garantir o futuro de qualquer empreendimento”, revela Fernando Coelho, superintendente AdministrativaFinanceiro da Unimed BH.
Outro fator importante para assegurar a perenidade dos negócios, segundo ele, é o comprometimento com a ética e com a integridade da gestão. “É necessário fazer o certo, e não o que é fácil”, frisou.
Ainda segundo o superintendente, os principais passos para a realização de um trabalho ético são a transparência, a equidade entre os membros, a prestação de contas, a responsabilidade social e o compliance – conjunto de processos construído para garantir o cumprimento das normas, diretrizes e atividades do negócio, além de ajudar a detectar, tratar e evitar qualquer desvio na conduta desse conjunto.
BOA GOVERNANÇA
- AUTOGESTÃO: E? o processo pelo qual os próprios cooperados, de forma democrática e por meio de organismos de representatividade e autoridade legítimos, assumem a responsabilidade pela direção da cooperativa e pela prestação de contas da gestão. Os agentes de governança são responsáveis pelas consequências de suas ações e omissões.
- SENSO DE JUSTIÇA: E? o tratamento dado a todos os cooperados com igualdade e equidade em suas relações com a cooperativa e nas relações desta com as demais partes interessadas.
- TRANSPARÊNCIA: E? facilitar voluntariamente o acesso das partes interessadas às informações que vão além daquelas determinadas por dispositivos legais, visando a criação de um ambiente de relacionamento confiável e seguro.
- EDUCAÇÃO: E? investir no desenvolvimento do quadro social visando a formação de lideranças, para que estes tragam em seus conhecimentos de gestão e administração a essência da identidade cooperativa – base de sucesso e perpetuidade de sua doutrina.
- SUSTENTABILIDADE: E? a busca por uma gestão ética nas relações internas e externas para geração e manutenção de valor a todas as partes interessadas, visando a perenidade da cooperativa, considerando os aspectos culturais, ambientais, sociais e econômicos.
Os negócios de plataforma – aquele que utilizamos um aplicativo para solicitar um serviço – é uma tendência no mundo. E, em diversas parte do mundo, o cooperativismo continua mostrando sua capacidade de surfar as novas ondas do mercado. E com as plataformas não é diferente. Por isso, o Sistema OCB, que apoia a ideia, fez questão de inserir esse tema na 14ª edição de seu Congresso Brasileiro do Cooperativismo, realizado em Brasília, em maio deste ano. O assunto também é um dos destaques na nova edição da revista Saber Cooperar. Confira:
Plataforma para o desenvolvimento
Existe um movimento mundial de conscientização do enorme potencial que o cooperativismo tem para alavancar a economia digital e colaborativa. Há quem defenda que diversos unicórnios do mercado de startups (jovens empresas de base tecnológica avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) deveriam ser cooperativistas.
O motorista desliza as mãos pelo volante. A atenção dos olhos que miram as ruas de Brasília é voltada para a tela do celular, posicionado na saída de ar. A notificação avisa: alguém solicita os serviços do rapaz, e o carro de lataria vermelha e reluzente transforma-se em instrumento de trabalho. Ezequiel Avelino, 24 anos, estudante de Gestão Pública, é motorista de aplicativo de transporte de passageiros.
Em janeiro deste ano, migrou da estatística do desemprego que, no primeiro mês de 2019, abarcava 12,7 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, para ser um dos mais de 37 milhões de trabalhadores informais do país. Como milhares de cidadãos, a ocupação foi a forma encontrada por Ezequiel para se sustentar, custear a mensalidade da faculdade e pagar a parcela do automóvel.
O último trabalho de carteira assinada foi em uma floricultura, em 2017. Após um ano fazendo bicos no mercado de eventos, ele decidiu apostar no aplicativo. Desde então, acorda cedo, limpa o automóvel – em casa, para economizar com gastos em lava a jato –, abastece até a boca do tanque de combustível e parte para o expediente. Antes de completar a primeira semana, dirigindo de seis a oito horas por dia, tinha transportado cerca de 200 passageiros e os rendimentos ficaram em torno de R$ 1 mil – valor bem próximo do que ele demorava um mês para embolsar em um ofício formal.
“Dirigindo para os aplicativos, posso alternar os meus horários. Se eu não conseguir trabalhar de manhã, vou à noite. Se eu não lucrar bem na semana, posso ir no sábado e no domingo”, explica.
Só existe um problema: Ezequiel está dividindo o resultado de seu trabalho com os donos dos aplicativos que utiliza, perpetuando um modelo de trabalho que explora a mão de obra do trabalhador em busca do maior lucro possível, sem lhe dar nenhuma garantia ou segurança jurídica.
Ao perceber essa realidade, pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa começaram a se perguntar: não seria mais justo que os motoristas fossem os verdadeiros donos do negócio, já que possuem o carro e fornecem a mão de obra? E se os princípios cooperativistas, consolidados na busca por relações mais dignas, justas e solidárias, fossem aliados à veia democrática da internet, nascida da noção pública de propriedade coletiva? E se, no contexto de economia compartilhada, pudéssemos desenvolver alternativas de negócios conduzidas por ideais comunitários? E foi para responder a essas perguntas que surgiu um novo conceito: o cooperativismo de plataforma – proposta de empreendimento que combina os princípios e os valores do cooperativismo com o imenso potencial disruptivo das novas tecnologias da informação.
O COMEÇO DE TUDO
O conceito “cooperativismo de plataforma” foi utilizado pela primeira vez por Trebor Scholz, professor de cultura e mídia associado à The New School autor do livro Cooperativismo de Plataforma. Ele esteve no Brasil em maio especialmente para o 14º CBC. Em palestra que lotou um dos auditórios do evento, ele afirmou: o cooperativismo é o modelo de negócios capaz de tornar mais justas as novas relações de trabalho impostas pelo “ubercapitalismo” – nova onda capitalista caracterizada pela supressão do Estado como mediador entre o capital e o trabalho, um modelo que transforma todos em trabalhadores individuais, apartados entre si, cada qual lutando por sua sobrevivência.
Scholz alerta que por trás de todo o conceito “descolado” e engajado da economia compartilhada – que vende aos cidadãos a ideia de que é possível ganhar mais, tendo liberdade de escolher quando e por quanto tempo se quer trabalhar, com a vantagem de não estar subordinado a um chefe direto – estão a crise econômica, o desemprego e a necessidade de complementação de renda. Uma realidade bem conhecida dos brasileiros nos últimos anos.
Ainda segundo o autor, essa nova forma de trabalho ofertada por alguns aplicativos de serviço pode ser, na verdade, uma armadilha para a precarização dos direitos do trabalho. “Eu estudo as mudanças trazidas pela internet no mercado de trabalho desde 2008 e fui percebendo que as relações estabelecidas entre algumas plataformas de serviço e as pessoas são uma nova forma de exploração da mão de obra do trabalhador ainda mais perversa que a anterior, pois tira todos os direitos e benefícios, maximizando ao extremo o enriquecimento dos donos dessas plataformas”, critica.
De fato, de acordo com o IBGE, o rendimento de um trabalhador informal é, em média, 40% menor do que de quem atua com carteira assinada. Também é importante lembrar a falta de garantias para os funcionários nessas plataformas de compartilhamento. O que mais preocupa Ezequiel Avelino, motorista de aplicativos, é a segurança. Em uma situação de sequestro ou roubo, enquanto estiver dirigindo, o prejuízo é 100% do dono do automóvel. Por isso, ele pondera ao aceitar corridas em determinados horários e lugares, o que pode colocar em risco sua pontuação nos apps. Em poucos cliques – medido em estrelinhas que variam de uma a cinco – está na mão do consumidor o poder de classificar um motorista da plataforma. Quem ficar abaixo de uma média de corte, que controla a qualidade dos funcionários, pode ter o cadastro suspenso ou cancelado.
POR UMA RELAÇÃO MAIS JUSTA
Outro papa do cooperativismo de plataforma é o professor de estudos de mídia da Universidade do Colorado, Nathan Schneider, coautor do livro Nosso para hackear e possuir: a ascensão do cooperativismo de plataforma, uma nova visão para o futuro do trabalho e uma internet mais justa. Em entrevista exclusiva à Saber Cooperar, ele definiu o cooperativismo de plataforma como “uma comunidade transnacional de usuários-trabalhadores. Uma nova geração de pessoas que entram no movimento cooperativo e tentam usá-lo para criar uma economia on-line mais justa, responsável e democrática”.
Scheider defende que a natureza do compartilhamento de informações, software de código aberto, colaboração distribuída e comunicação rápida da internet são propícios não apenas para as práticas cooperativistas, como trata- -se de uma oportunidade de renovar o espírito transformador da economia cooperativa, fundada há quase dois séculos.
Também entusiasta do potencial transformador da internet para o cooperativista, o advogado, professor-doutor e diretor-geral da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop), Mário de Conto, tem pesquisado sobre o conceito no Brasil, com o incentivo do Sistema OCB. Para ele, a modalidade poderia melhorar o desenvolvimento local, sob a forma de trabalho democrático e colaborativo. “Tratam-se de iniciativas em que os trabalhadores são proprietários das plataformas, tomam as decisões de maneira democrática através de mecanismos digitais e a distância, de forma muito diferente da experimentada nas cooperativas tradicionais”, explica o pesquisador.
Na visão de Conto, as “CoopTechs” (cooperativas de base tecnológica) podem não apenas incluir quem está fora da digitalização na troca de serviços, como ajudar a reduzir as desigualdades e a concentração do poder que está nas mãos dos agentes que detêm o capital (o software, hoje em dia). “Nesse contexto, o cooperativismo de plataforma tem como principal impacto no eixo social viabilizar a inserção de trabalhadores em plataformas digitais nas quais eles tenham maior possibilidade de Modelo colaborativo de produção intelectual que promove o livre licenciamento e a redistribuição universal do produto sem a necessidade de se pagar uma licença comercial para isso, definir suas margens de retorno e fazer sua autogestão”, avalia.
Ao redor do mundo, essa ideia pegou. Segundo Trebor Scholz, já existem pelo menos 350 cooperativas de plataforma atuando em 26 países, incluindo o Brasil. Por aqui, existem grupos de trabalhadores se organizando dessa maneira, embora nenhuma esteja formalmente registrada como cooperativa. Um bom exemplo é a Cataki – aplicativo que conecta catadores de resíduos a quem produz lixo, ou seja, todos nós. Ao unir as duas pontas, a plataforma melhora a qualidade de vida dos catadores, tirando-os dos lixões e das ruas, facilita a coleta dos materiais reciclados, aumenta a produtividade desses agentes ambientais e, de quebra, conscientiza as pessoas sobre a importância da reciclagem. Trebor está, inclusive, investindo na ideia, que considera escalável, ou seja, com alto potencial de crescimento não só no Brasil, mas no mundo.
Disposto a fomentar a abertura de cada vez mais cooperativas de plataforma ao redor do mundo, Scholz ajudou a fundar uma organização focada no apoio a essas instituições: o Consórcio para o Cooperativismo de Plataforma (The Platform Cooperativism Consortium). O grupo apoia esse modelo de negócios por meio de pesquisas, capacitações, consultoria legal, mapeamento de melhores práticas, suporte técnico e financiamento. O Google, por exemplo, doou US$ 1 milhão para financiar cooperativas de plataforma ao redor do mundo. “Eu estive na Suécia, na Inglaterra, na Itália, na Espanha, no Canadá, na Indonésia, em Tóquio, na Índia e aqui no Brasil. É impressionante como em todos esses países existe o desejo de criar modelos de trabalho mais cooperativos”, disse o norte-americano.
ESPAÇO NO BRASIL
Sim, mas ainda é pouco explorado. Temos um longo caminho a percorrer, cheio de desafios, até a consolidação de um mercado de economia digital cooperativista. “Quanto mais precária é a relação de trabalho de um país, maior é o interesse pela implantação das cooperativas de plataformas”, analisa Trebor Scholz. Segundo ele, aqui no Brasil existem muitas oportunidades nas áreas da educação, da saúde, dos transportes. “O que percebo, tanto aqui quanto em outros países, é que o principal obstáculo à constituição dessas cooperativas ainda são as pessoas. É difícil reunir um grupo, sentar todos em uma sala e fazê-los fechar um acordo. Elas ainda não sabem abrir mão das suas vontades pessoais em prol de um bem maior. Esse é o principal desafio do cooperativismo de plataforma em todo o mundo”, lamenta.
Já o brasileiro Mário de Conto acredita que faltam instrumentos na legislação brasileira para apoiar o desenvolvimento de iniciativas como essas. “Analisando as características da Lei Geral das Cooperativas, evidentemente, há desafios que concernem à novidade do modelo, como formas de efetivar a participação democrática e o processo de tomada de decisões em um contexto digital”, pondera.
BENCHMARKING INTERNACIONAL
A proposta da incubação é apoiar novos empreendimentos com suporte técnico, jurídico e contábil, muitas vezes oferecendo consultorias e mentorias especializadas na potencialização de um negócio. E foi justamente esse modelo que resultou na criação da Up and Go – cooperativa de plataforma criada para oferecer emprego e renda às mulheres de uma comunidade de imigrantes, em Nova York.
A Up and Go possui, hoje, cerca de 40 cooperadas. Graças à plataforma, pela primeira vez desde que chegaram à América, essas mulheres conseguiram uma remuneração justa por seu trabalho. “Antes de fazerem parte da cooperativa, elas ganhavam muito mal e não tinham garantia de serem pagas pelo serviço que prestavam. Às vezes, limpavam a residência e o dono dizia estar sem dinheiro para pagá-las na hora. Outras vezes, pagavam as passagens para ir até a casa do cliente e, ao chegar, eram avisadas de que ele tinha desistido. Com isso, tinham um prejuízo grande, porque não eram ressarcidas pelo deslocamento”, recorda Sylvia Morse, gerente de projeto do Center for Family Life (CFL) – organização sem fins lucrativos que realiza a incubação de cooperativas de plataforma na cidade norte-americana.
Desde 2006, o CFL capta fundos e oferece suporte técnico e financeiro à criação de cooperativas de plataforma nas áreas de serviços de limpeza e cuidado de crianças pequenas. “Nossa equipe trabalha para ajudar esses trabalhadores a constituírem sua cooperativa, ajudando a definir como devem ser o site, o aplicativo, o atendimento aos clientes, a política de preços e as assembleias de cooperados”, resume Sylvia, que também participou como palestrante do 14º CBC.
No caso da Up and Go, por exemplo, cada cooperada recebe 95% do valor pago pelos clientes. Os outros 5% são revertidos para o fortalecimento da plataforma. “Antes, quando trabalhavam como empregadas de outros sites que oferecem serviços de limpeza, elas recebiam bem menos por hora trabalhada. E isso, apesar de o cliente pagar mais caro que na Up and Go pelo serviço”, constata a gerente do CFL.
Além de ganharem mais como cooperadas e de serem as donas do próprio negócio, as mulheres da Up and Go utilizam os 5% destinados para a plataforma para fortalecerem o próprio negócio e para garantirem alguns benefícios importantes para elas, como cursos de inglês e capacitação profissional. “A cooperativa empodera essas mulheres e muda as vidas delas e a de suas famílias”, comemora Sylvia. Gostou da proposta do cooperativismo de plataforma? Quer saber mais sobre o assunto? Baixe agora o livro de Trebor Scholz sobre o assunto. Conheça todas as diretrizes prioritárias para o cooperativismo relacionadas à inovação. Elas foram definidas por 1.300 cooperativas brasileiras durante o 14º CBC.
De acordo com a norte-americana, as cooperativas têm impactado tão positivamente Nova York que a cidade foi a primeira dos Estados Unidos a criar um fundo exclusivo para o financiamento desse tipo de empreendimento. “As cooperativas de plataforma têm ajudado a incluir públicos que nem sempre encontram boas oportunidades de trabalho no mercado formal, como as mulheres, os negros e os imigrantes. Por isso, elas têm recebido suporte de entidades públicas e privadas para se desenvolverem no meu país”, constata.
Sylvia acredita que essas incubadoras de cooperativas de plataforma poderiam funcionar também no Brasil. “Vocês têm uma organização que cuida especificamente do cooperativismo”, diz, referindo-se ao Sistema OCB. “Esse é um primeiro passo importante, porque já existe um centro de referência para os trabalhadores que desejem montar uma cooperativa no país. O próximo passo é buscar apoio de outras organizações públicas e privadas para criar um ecossistema favorável à criação de cooperativas de plataforma no Brasil”, conclui.
NÚMEROS
- Existem pelo menos 350 cooperativas de plataforma ao redor do mundo.
- 26 países já colocaram a ideia em prática, incluindo o Brasil.
- US$ 1 milhão: valor aportado pelo Google para o financiamento de cooperativas de plataforma ao redor do mundo.
EVENTO INTERNACIONAL
Mais debates sobre o Cooperativismo de Plataforma já têm data marcada: entre os dias 7 e 9 de novembro, será realizado, em Nova York (EUA), o Congresso Internacional de Cooperativas de Plataforma, em parceria com Columbia University e The New School. O evento é promovido pelo Consórcio Internacional do Cooperativismo de Plataforma (https://platform.coop/), sediado em NY e fundado pelo pioneiro do próprio movimento Cooperativismo de Plataforma, Trebor Scholz. Vale destacar: a OCB participa do comitê internacional de promoção do cooperativismo de plataforma.
O Senai de Campo Grande e a unidade Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito) Ipê firmaram uma parceria para oferecimento dos cursos de instalador de sistema de energia fotovoltaica e de assistente de RH (Recursos Humanos) que serão ofertados de forma gratuita para a comunidade. O objetivo é proporcionar à sociedade qualificação profissional de qualidade para atender as demandas do mercado de trabalho.
Segundo o gerente do Senai de Campo Grande, Hélio Vilaça, o curso de instalador de sistema de energia fotovoltaica será realizado na própria instituição, localizada na Rua Engenheiro Roberto Mange, 90, Bairro Amambaí, com início das aulas no dia 24 de agosto, enquanto o curso de assistente de RH será ofertado na unidade móvel do Bairro Cophavilla, a partir do dia 20 de agosto.
“Para o Senai, é muito interessante esse tipo de parceria porque só reforça a nossa credibilidade como instituição de ensino profissional. Escolhemos junto com o Sicoob os cursos com maior procura de alunos e também com maior demanda do mercado porque a ideia é proporcionar para a população uma qualificação profissional para preparar esses novos profissionais para o mercado de trabalho”, afirmou.
Na avaliação da presidente da unidade Sicoob Ipê, Elza Jorge, a cooperativa busca cumprir seu papel social junto à comunidade onde atua. “Esse deve ser o compromisso de toda cooperativa e nós optamos pelo Senai em razão do conhecimento acumulado e credibilidade conquistada na formação profissional”, destacou.
Fonte: Sicoob Ipê
Nova funcionalidade da solução reduz de 30 para 3 minutos o tempo de espera para contratação do serviço
O Sicredi, instituição financeira cooperativa de crédito com mais de 4 milhões de associados e atuação em 22 estados brasileiros e no Distrito Federal, lançou mais uma funcionalidade no seu aplicativo para dispositivos móveis. Agora é possível contratar o financiamento de veículos pelo celular e realizar todos os trâmites do processo sem a necessidade de ir até uma agência.
Para quem é associado à instituição e já tem o crédito pré-aprovado para contratação do financiamento, o tempo de espera para liberação do produto passou de 30 minutos na agência física para três minutos no atendimento online. O aplicativo também permite que se informe todos os dados do veículo a ser financiado, como placa e número do chassi, faça o upload de documentos como a nota fiscal do automóvel e ainda defina prazos para pagamento e percentuais do valor de entrada.
“Entendemos que o associado precisa ter acesso às condições de financiamento no momento exato em que está decidindo a compra do veículo também no aplicativo do Sicredi. Este tipo de facilidade agiliza muito o processo, pois possibilita que, no próprio ponto de venda, já seja possível verificar a viabilidade financeira da compra e realizar a contratação do crédito para trocar de veículo”, explica Thiago Rossoni, gerente de Produtos de Crédito para Pessoa Física do Banco Cooperativo Sicredi. Embora a operação seja 100% online, todo o processo tem acompanhamento remoto da equipe do Sicredi que, se necessário, contata associado imediatamente para auxiliar em qualquer necessidade.
A nova funcionalidade é mais um resultado do processo de aperfeiçoamento constante dos canais de atendimento do Sicredi. “Com o financiamento de veículo no aplicativo, levamos mais praticidade, segurança e agilidade para o associado, visando a aumentar ainda mais o seu grau de satisfação com os nossos produtos, serviços e atendimento”, finaliza Rossoni.
Sobre o Sicredi
O Sicredi é uma instituição financeira cooperativa comprometida com o crescimento dos seus associados e com o desenvolvimento das regiões onde atua. O modelo de gestão do Sicredi valoriza a participação dos mais de 4 milhões de associados, os quais exercem papel de donos do negócio. Com presença nacional, o Sicredi está em 22 estados* e no Distrito Federal, com mais de 1.700 agências, e oferece mais de 300 produtos e serviços financeiros (www.sicredi.com.br).
*Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins.
Imagine reunir, em um único local, os legítimos representantes de todas as cooperativas do Brasil, das Américas e do mundo. Pois esse grande encontro ocorreu durante o 14º Congresso Brasileiro do Cooperativismo (CBC) que contou com as presenças do presidente da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), Ariel Guarco, porta-voz do nosso movimento em todo o mundo; da presidente da ACI Américas, Graciela Fernandez, representante das cooperativas do nosso continente, e do presidente do Sistema OCB, Márcio Lopes de Freitas, responsável pelas quase sete mil cooperativas brasileiras. O trio participou da abertura do CBC, evento que sempre deixa marcas em nosso movimento.
Basta dizer que a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) nasceu durante um desses congressos, em 1969. De lá para cá, muitas mudanças aconteceram, não apenas dentro do sistema cooperativista brasileiro, mas em todo o mundo. E é justamente sobre essas transformações e sobre as oportunidades abertas para o cooperativismo no Brasil, nas Américas e no mundo que trata esta entrevista, concedida com exclusividade para a Saber
Cooperar. Confira:
De que maneira começou a sua história pessoal com o cooperativismo?
Márcio Lopes de Freitas – Eu nasci dentro do cooperativismo. O meu avô foi presidente de cooperativa. O meu bisavô foi incentivador do movimento durante a Segunda Guerra. Meu pai foi presidente de cooperativa, meu irmão é presidente de cooperativa... A minha história se confunde com o cooperativismo. Na minha casa se falava muito sobre a filosofia.
O meu pai sempre foi uma pessoa muito focada nos princípios do cooperativismo e trabalhou muito nisso. Então, foi um caminho natural para mim. Quando cresci, ajudei a fundar uma nova cooperativa, em um setor diferente da cooperativa do meu pai e do meu irmão. Eu sempre me senti muito à vontade com a doutrina. Isso faz parte do meu DNA: essa visão da economia compartilhada, da decisão democrática, da equidade.
Ariel Guarco – Estou em contato com o cooperativismo desde meus primeiros anos de vida. Ainda muito pequeno, acompanhava minha mãe ao seu trabalho na Cooperativa Eléctrica de Coronel Pringles, a cidade onde nasci e moro, na Província de Buenos Aires, Argentina. Pouco a pouco, me envolvi na vida da cooperativa e, quando jovem, comecei a participar de diferentes atividades.
Eu sempre digo que o cooperativismo é um modo de vida. Depois de muitos anos de participação – nos quais me envolvi cada vez mais –, reafirmo isso. As cooperativas são organizações construídas a partir de e para as comunidades, estão enraizadas em seus territórios e constroem uma economia solidária, inclusiva e democrática, onde ninguém é deixado para trás.
Graciela Fernandez – Descobri o cooperativismo há 30 anos. Iniciei minha vida profissional dentro do Centro de Cooperativismo Uruguai, um centro de desenvolvimento e cooperação que promove o cooperativismo em meu país. Todas as experiências importantes do cooperativismo uruguaio começaram ali. Eu fazia parte da equipe e minha função era assessorar e viajar pelo interior, conhecendo as fazendas e dando apoio aos cooperados para que eles pudessem entender melhor o espírito do cooperativismo. Logo me encantei pela visão de negócios do sistema cooperativo, que é muito especial. Primeiro porque é uma visão coletiva. Não está centrada no ganho individual. É democrática e formal, regida por um estatuto, que é a lei. Temos um capital, defendemos um capital, mas as decisões são democráticas, coletivas.
Quais são os desafios do cooperativismo para a próxima década no Brasil, nas Américas e no mundo?
Márcio Freitas – Eu sou otimista em relação ao futuro do cooperativismo no Brasil. Acho que vamos continuarem um processo de evolução. Precisamos preparar nosso modelo de negócio para surfar a onda das novas tecnologias da informação. As mudanças vão vir e temos de estar preparados. Resiliência e não resistência. O momento que vivemos hoje, com investimentos em capacitação, em modelos de governança, em processos de autogestão e monitoramento, nos põe em posição de surfar essa onda.
Ariel Guarco – Para a América Latina, o sistema de trabalho será um grande desafio. As cooperativas também precisam ocupar o terreno da tecnologia. No Uruguai, estamos realizando um projeto chamado “Inovacoop”, com o governo federal, no qual apoiamos incubadoras de suas ações. Eles fazem isso colocando a pessoa e o meio ambiente como prioridades. Tudo isso contribui para construir sociedades mais justas e equilibradas.
Graciela Fernandez – As cooperativas têm abastecido com crédito as parcelas da população que mais precisam: pessoas que se viram desempregadas pela redução das vagas de trabalho; mulheres; trabalhadores de baixa renda. Foi nas cooperativas de consumo que nasceram as cooperativas de trabalho, que dão sustento a milhares de famílias da agricultura familiar, inclusive dando base técnica e política para que elas possam até participar de compras públicas. As cooperativas de seguro também têm sido um grande apoio para a população, que anda às voltas com problemas climáticos que afetam a produção de alimentos. Esses são apenas alguns exemplos. Eu acredito que as cooperativas são uma ferramenta muito importante para o desenvolvimento. E acredito que o futuro seria bem melhor se nós cooperássemos uns com os outros, em todos os sentidos. Afinal, somos uma grande família, e o futuro é agora.
A maneira como o mundo vê o papel das cooperativas mudou nos últimos 10 anos?
Márcio Freitas – Tem mudado e vai mudar sempre, mas nos últimos 10 anos foi mais intenso, como foram todas as mudanças no tecido da sociedade global. Uma cooperativa é uma aglomeração de gente, e eu insisto nisso porque essa é a grande diferença. Como é uma aglomeração de pessoas, ela muda com as pessoas. Acho que nos últimos anos – principalmente em 2008, com a crise global de confiança – acelerou-se muito o cooperativismo, que tornou-se um porto seguro para a sociedade. As cooperativas tornaram-se um mitigador dos efeitos da crise. A prova mais clara é que nos países onde elas são mais estruturadas, a crise foi menor. O mundo todo reconheceu isso numa assembleia das Nações Unidas, e eu tive o orgulho de estar presente.
Ariel Guarco – É exatamente isso. As cooperativas são sempre um bom modelo de negócios, mas em tempos de grandes crises tornam-se mais visíveis como opção. Isso ficou muito claro após a crise global desencadeada em 2008. Foi demonstrado que as cooperativas tinham muito mais capacidade de recuperação para superar as consequências da crise, que poderiam manter empregos e ainda crescer. Hoje, na ACI, valorizamos todo o capital social que as cooperativas têm em todo o mundo e nos tornamos um elo central na Agenda 2030. Somos aliados do sistema das Nações Unidas e compartilhamos com a Organização Internacional do Trabalho a preocupação com o futuro do trabalho. O próprio diretor da OIT reconhece que as cooperativas são verdadeiras incubadoras das novas formas de trabalho que o mundo precisará nos próximos anos.
Graciela Fernandez – O mundo globalizado afetou a sociedade e esta é uma etapa da história das mais fortes. O mundo passa por um grande momento de desenvolvimento para o qual as cooperativas têm de se preparar. Muitos alegaram que o cooperativismo desapareceria com o aumento do individualismo, mas, na realidade, o que aconteceu foi um crescimento das ideias mais básicas do cooperativismo. O cooperativismo tornou-se uma alternativa para os excessos da globalização. Tanto assim que as organizações internacionais utilizam o nosso idioma e a nossa palavra-chave: cooperar.
Texto extraído da revista Saber Cooperar